Thursday, September 07, 2006

Lá vamos, participando e rindo...

democracia participativa

Uma das maiores tretas do sr. Carlos de Sousa, presidente cessante da Câmara de Setúbal, foi a da "autarquia participada" e do "orçamento participativo": um chavão que aprendeu em Porto Alegre, a cujas cimeiras foi sem falha. Já quando concorreu, pela primeira vez, a Setúbal, fazia parte do seu "currículo" o ter ido a Porto Alegre e estar a aplicar a dita filosofia em Palmela. Provavelmente há quem pense que foi assim, tal como há quem diga, convencido do que diz, que o autarca "fez obra em Palmela" (se querem divertir-se, peçam a uma das numerosas pessoas que repete este "meme" para especificar quais as iniciativas concretizadas que configuram essa "obra"...)

É precido qe se diga que o conceito dedemocracia "participada" e "participativa", tal como é aplicado em Porto Alegre, significa que parte do poder de decisão passa efectivamente para os eleitores. Por exemplo, a autarquia define uma verba a aplicar em investimento numa zona da cidade, e são os moradores que decidem onde será aplicada: em saneamento, em asfaltamento, etc. - mesmo que sejam só "65 metros de calçadão na Rua Chico Pedro, entre os números 361 e 375 até ao final". Não será muito poder, mas reppresenta de facto uma diferença substancial relativamente a nossa democracia indirecta, onde a palavra "participar" significa, apenas, que os eleitores falam e os políticos ouvem.

Carlos Sousa ouviu muito, não há dúvida, até porque não era seu hábito falar nas reuniões com os munícipes. Normalmente, nessas reuniões com a população, havia um friso de funcionários municipais que era colocado numa mesinha a tomar, diligentemente, notas de tudo o que a população ia dizendo. Podem imaginar onde é que se encontram hoje esses "apontamentos"...

Um dia, numa reunião com aquicultores de Setúbal, depois de uma intervenção de Manuel Serra a solicitar informações sobre qualquer coisa que a Câmara de Mata Cáceres tinha prometido diligenciar junto do governo, um funcionário municipal que estava na mesa sugeriu ao presidente Carlos Sousa que ele, funcionário, poderia esclarecer aquela questão, pois sabia qual tinha sido o respectivo desenvolvimento. Resposta de Carlos Sousa: "Não, deixe estar assim, deixe-os falar." E passados uns segundos: "Eu tenho usado este sistema em Palmela e tem funcionado bem".

E era verdade! Em boa medida, as pessoas participavam naquelas reuniões para se fazerem ouvir, para se manifestarem, e não para obter esclarecimentos. Talvez por amor próprio, talvez para apresentar "serviço" aos amigos ou ao Partido, talvez para descarregar tensões, talvez tudo isso... "Esclarecer" as pessoas poderia até contribuir para anular este efeito profilático.

Imagine: você está chateado (com o Governo, com o emprego, consigo próprio...) e vai a uma reunião dizer mal disto e daquilo. Desabafa e volta para casa mais aliviado. O pior que lhe podia acontecer seria ser contrariado naquilo que disse: podia até fazer uma figura triste! Quantas pessoas não terá Mata Cáceres irritado deste modo, ainda que tivesse razão, com a sua resposta rápida e o seu humor agreste?

Estas reuniões públicas promovidas por Carlos Sousa pareciam insólitas, já que ele quase não falava nem se defendia, mesmo quando atacavam a Câmara (recordam-se dos debates sobre a "Nova Setúbal/Vale da Rosa"?). E a verdade é que no fim das reuniões parecia haver um clima de distensão, com toda a gente aliviada e sorridente.

pioneiro
Em 2005 declarou-se o "pioneiro em Portugal da demoracia participada": leia aqui.

Numa das primeiras reuniões de CS, e das mais participadas, sobre cultura, no Clube Setubalense, foram pronunciadas as maiores mentiras e barbaridades sobre o anterior Presidente, Mata Cáceres (que tinha destruído Setúbal, etc.). Contudo, apesar de se encontrarem na sala muitos agentes culturais que, poucas semans antes, tinham apoiado a candidatura de Mata Cáceres e até feito parte da sua Comissão de Honra, apenas uma pessoa ousou levantar-se e dizer que não concordava com aquela autêntica mixórdia: essa pesssoa foi a Graça Bessa, directora da Academia de Dança e da CDC, que poucos meses depois foi afastada de Setúbal por CS.

Seja como for, tenho de reconhecer que Carlos Sousa prestou um bom serviço à saude mental da elite setubalense: deixou-a desabafar, aliviar-se, livrar-se de más-consciências... Quanto não vale isso?

Boaventura Sousa Santos, o paladino do pós-modernismo, também ele arauto da democracia participativa, publicou em Portugal o livro "Democracia e Participação - O caso do orçamento participativo de Porto Alegre" (Afrontamento, 2002), onde se pode ler:
«Em Portugal, o poder local e os movimentos cívicos urbanos têm vindo a mostrar um crecente interesse na gestão municipal participativa, estando a emergir em várias cidades embriões de democracia, quer por iniciativa dos movimentos (o Concelho de Cidade de Coimbra) quer por iniciativa das autarquias (Palmela, Santarém, Setúbal e possivelmente Lisboa, por iniciativa da Assembleia Municipal)». [p.10]
Topam? É tudo mentira! Mas, infelizmente, eu não o posso dizer nem escrever, porque senão iria abanar a vossa boa-consciência, turvar as vossas esperanças e obscurecer os vossos sonhos.

Por isso, não acreditem no que eu escrevi. Esqueçam e vão para casa descansados, que a democracia participativa está em marcha: pois se vocês até participaram nela!

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