Saturday, November 11, 2006

Entropia


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     A calçada à portuguesa que existe actualmente nas ruas da Baixa de Setúbal, com desenho da autoria do arquitecto Sérgio Dias, recorre ao calcário branco, preto e rosa para uma série de desenhos geométricos, em geral bastante simples: linhas rectas formando grandes quadrados ou losangos. Apenas na Rua Antão Girão (imagem de cima) o desenho se aventura para formas mais elaboradas.
     Na execução do empedrado foi evidente a preocupação em integrar no desenho as diversas tampas de acesso às infraestruturas (redes de água, esgotos, electricidade e telefones). Onde foi possível, foram concebidas caixas em que se integrou o empedrado para manter a continuidade dos desenhos. As tampas circulares do saneamento, de ferro fundido maciço, foram rodeadas com molduras de empedrado.

  
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     Mas, de quando em quando, é necessário remover estas tampas para aceder ao subsolo. Em teoria, seria possível retirá-las sem destruir o empedrado envolvente: nalgumas tampas circulares é visível a "pega" por onde devem ser levantadas, e a "dobradiça" no extremo oposto. E em todas as outras existem reentrâncias para enfiar os ganchos de modo a retirá-las.
     No entanto, alguém deve pensar que as coisas não podem ser assim tão simples: já são poucas as tampas onde não tenham sido destruídas as bordaduras de calcário. Porém, mesmo essa destruição não deveria ser difícil de reparar: afinal, são só meia dúzia de pedras.

  

     Contudo, onde as pedras foram repostas, foram-no sistematicamente fora do sítio, ou com uma falta de jeito preocupante. Noutros casos, uma "borrada" de cimento substituiu as pedras, truncando os desenhos que por lá passavam.

  

     Mas creio que não se trata apenas de "falta de jeito": afinal, há tampas que foram removidas e repostas sem nenhuma destruição do empedrado. Porém, nestes casos, os desenhos foram grosseiramente deturpados com a simples rotação das tampas. Ou, o que é ainda mais frequente, com a troca de sítio.

  

     Ou seja: há aqui um padrão consistente. Os poucos casos em que se mantém a integridade do desenho original é nas tampas cujas dimensões não permitem a sua troca com as de outros locais. No entanto, com o tempo, julgamos que os autores, conscientes ou inconscientes, desta "reconfiguração", acabarão por descobrir uma maneira de baralhar tudo.

  

     A entropia é um conceito da física que caracteriza a tendência natural da matéria de passar de estados de maior organização para uma menor organização (logo, maior caos). Também os empedrados da Baixa de Setúbal estão a ser vítimas duma forma de entropia, mas que certamente não nasce de nenhuma lei natural, antes de alguma doença social. Será possível que vários trabalhadores de diferentes organismos (Câmara, CTT, Águas do Sado, etc.) sofram desta doença entrópica? Quando caminho sobre estas pedras tão maltratadas, assalta-me a curiosidade de visitar as casas das pessoas que provocaram tais aberrações: será que também encontraríamos, nos espaços onde vivem, "desarranjos" equivalentes a estes? Ou será que se trata antes de algo que ultrapassa os indivíduos e que afecta, globalmente, a sociedade setubalense, algo que se caracteriza pelo horror ao que é belo e ordenado?

1 Comments:

At 5:19 pm , Blogger Joao Augusto Aldeia said...

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