Descripção do Reino de Portugal
Por Duarte Nunez do Leão
1610
«E vindo ao mar Oceano, nas costas dos reinos de Portugal & do Algarve & portos de Sines, & de Cezimbra, Cascaes, Peniche, Pederneira, Buarcos, Aveiro, São João da Foz, & todos os mais portos até o Minho, é cousa notável a multidão que dão de pescado, & sua bondade. Mas o mais para estimar, é o que se toma nas praias de Setúbal o qual em sabor excede a todo o de Espanha, & porventura de Europa: ou por o clima em que está, ou por o pasto em que o pescado se ceva. E assim naquele mar morrem os mais regalados pescados, de que têm o primado os salmonetes, os vesugos, peixes agulhas, grandes rodovalhos, chernes, linguados, sargos, pescadas, & sardas, & os mais peixes preciosos que se podem pedir. Neste mesmo mar se viram e se vêem muitas vezes as mais desvariadas feições de peixes que em nenhuma outra parte, & muitas que nunca se viram nem se lhes sabe o nome. No mesmo mar de Setúbal e no de Cezimbra sua vizinha, há a mais sardinha e mais saborosa que se pode dar: a qual além de sustentar o reino, se leva por mar a outras partes, & por terra ao reino de Castela para onde sai grande carregação até à corte de Madrid. Dos portos que dissemos, saiem os atuns do Algarve para Levante em muitos navios que de Itália os vêm buscar. De Cascais,Peniche, Pederneira, Aveiro & Buarcos até ao Minho saiem infindas pescadas, cações, lixas, raias corvinas, polvos, & outros pescados secos dos quais se leva muita carregação para todo o reino e grande parte de Castela, principalmente do mediterrâneo dela: afora as muitas tainhas & outros pescados secos que os portugueses vão pescar à costa de Arguim, & bacalhau à terra nova, de que há outra carregação.
«O refresco de todo o género de marisco, de lagostas, caranguejolas, santolas, lobagantes, ostras, ameijeas, mexilhões, & posseves, é infinito. Das quais ostras se leva em escabeche muita quantidade para fora que têm por grande mimo, como se levam também muitos linguados çapateiros de Aveiro feitos & adubados em barris.»
Notas:
Arguim era uma feitoria portuguesa na costa africana, na Mauritânia.
Livro disponível na Biblioteca Nacional
2 Comments:
Delicioso este documento. Adoro ler estes "pedaços" de história sobre setúbal do antigamente.
Há algum tempo vi um dos programas do professor José Hermano Saraiva, em Setúbal, onde ele dizia, junto ao cais, naquele tom teatral: 'era daqui que partia, levada pelos almocreves, a sardinha que alimentava o país; porque do que os portugueses se alimentavam era disso: um naco de pão e meia sardinha'.
Este é o tipo de declarações que fazem com que os historiadores "sérios" critiquem J.H.Saraiva por estar sempre a "inventar". Ora o que este relato diz é precisamente o mesmo. Até para Madrid ia sardinha.
Agora haja alguém que explique porque é que actualmente a nossa frota de pesca é marginal e os barcos de pesca espanhóis dominam os mares do mundo.
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