Thursday, June 28, 2007

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Descripção do Reino de Portugal
Por Duarte Nunez do Leão
1610

     «E vindo ao mar Oceano, nas costas dos reinos de Portugal & do Algarve & portos de Sines, & de Cezimbra, Cascaes, Peniche, Pederneira, Buarcos, Aveiro, São João da Foz, & todos os mais portos até o Minho, é cousa notável a multidão que dão de pescado, & sua bondade. Mas o mais para estimar, é o que se toma nas praias de Setúbal o qual em sabor excede a todo o de Espanha, & porventura de Europa: ou por o clima em que está, ou por o pasto em que o pescado se ceva. E assim naquele mar morrem os mais regalados pescados, de que têm o primado os salmonetes, os vesugos, peixes agulhas, grandes rodovalhos, chernes, linguados, sargos, pescadas, & sardas, & os mais peixes preciosos que se podem pedir. Neste mesmo mar se viram e se vêem muitas vezes as mais desvariadas feições de peixes que em nenhuma outra parte, & muitas que nunca se viram nem se lhes sabe o nome. No mesmo mar de Setúbal e no de Cezimbra sua vizinha, há a mais sardinha e mais saborosa que se pode dar: a qual além de sustentar o reino, se leva por mar a outras partes, & por terra ao reino de Castela para onde sai grande carregação até à corte de Madrid. Dos portos que dissemos, saiem os atuns do Algarve para Levante em muitos navios que de Itália os vêm buscar. De Cascais,Peniche, Pederneira, Aveiro & Buarcos até ao Minho saiem infindas pescadas, cações, lixas, raias corvinas, polvos, & outros pescados secos dos quais se leva muita carregação para todo o reino e grande parte de Castela, principalmente do mediterrâneo dela: afora as muitas tainhas & outros pescados secos que os portugueses vão pescar à costa de Arguim, & bacalhau à terra nova, de que há outra carregação.
     «O refresco de todo o género de marisco, de lagostas, caranguejolas, santolas, lobagantes, ostras, ameijeas, mexilhões, & posseves, é infinito. Das quais ostras se leva em escabeche muita quantidade para fora que têm por grande mimo, como se levam também muitos linguados çapateiros de Aveiro feitos & adubados em barris.»


Notas:
Arguim era uma feitoria portuguesa na costa africana, na Mauritânia.
  • em que o pescado se ceva: em que o peixe se alimenta
  • desvariadas: diversificadas
  • vesugos: besugos
  • lobagantes: lavagantes
  • ameijeas: ameijoas
  • posseves: percebes ou perceves
    Livro disponível na Biblioteca Nacional

  • 2 Comments:

    At 12:40 am , Blogger maria elisa said...

    Delicioso este documento. Adoro ler estes "pedaços" de história sobre setúbal do antigamente.

     
    At 8:52 pm , Blogger Joao Augusto Aldeia said...

    Há algum tempo vi um dos programas do professor José Hermano Saraiva, em Setúbal, onde ele dizia, junto ao cais, naquele tom teatral: 'era daqui que partia, levada pelos almocreves, a sardinha que alimentava o país; porque do que os portugueses se alimentavam era disso: um naco de pão e meia sardinha'.

    Este é o tipo de declarações que fazem com que os historiadores "sérios" critiquem J.H.Saraiva por estar sempre a "inventar". Ora o que este relato diz é precisamente o mesmo. Até para Madrid ia sardinha.

    Agora haja alguém que explique porque é que actualmente a nossa frota de pesca é marginal e os barcos de pesca espanhóis dominam os mares do mundo.

     

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