Wednesday, July 18, 2007

Cinco livros [2]


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Memórias Económicas
da Academia Real das Ciências de Lisboa (1789-1815)

vários autores

     Foi por motivos profissionais que reli recentemente muitos dos textos destas Memórias, publicadas inicialmente entre 1789 e 1815, e reeditadas em 1990 pelo Banco de Portugal.
     Fundada em 1779, a Academia Real das Ciências de Lisboa inseriu-se numa corrente comum a quase todos os países europeus, de criação de academias científicas para promover a investigação e divulgar e promover a aplicação dos seus resultados. Ficaram famosas a Royal Society de Londres e a Académie des Sciences de Paris.
     Dos estudos publicados interessa referir vários que se relacionam directamente com a região de Setúbal. Nes âmbito sobressaiem os trabalhos do setubalense José Joaquim Soares de Barros: "Memória sobre as causas da diferente população de Portugal em diversos tempos da monarquia" e "Considerações sobre os benefícios do sal comum, e em particular do sal de Setúbal". Este último estudo apresenta a particularidade de ter uma forte componente experimental, já que Soares de Barros comparou diversas caracteristicas físicas (precipitação e dissolução) do sal de Setúbal e do de Cádiz.
     Dizem também respeito à região de Setúbal as memórias de Joaquim Pedro Gomes de Oliveira, "Extracto das Posturas da Vila de Azeitão, Comarca de Setúbal" e de Tomás António de Vila-Nova Portugal, "Observações sobre o mapa da povoação do termo da vila de Azeitão, comarca de Setúbal". Deve salientar-se que Azeitão, nesta altura, constituía um concelho autónomo, com sede em Vila Nogueira. Deste último autor é também a memória "Observações que seria útil fazerem-se para a descrição económica da comarca de Setúbal", uma espécie de manual para o levantamento estatístico da região.
     De tudo o que estes autores escreveram é curioso referir um episódio relativo à oposição entre agricultura e indústria, já que se tinha desenvolvido em Azeitão uma importante manufactura de tecidos, com a criação da "Real Fábrica das Chitas e Tecidos". Associada a esta indústria existia a da tinturaria, em parte também devido à existência, na serra da Arrábida, da grã, um insecto utilizado para a tintagem da cor escarlate. Estas indústrias desapareceriam mais tarde, tal como aconteceu com a fábrica de vidro instalada em Coina.
     Porém, na altura em que os referidos académicos escreviam, a fábrica de chitas e a tinturaria pareciam estar de boa saúde, favorecendo o povoamento da região e gerando o rendimento que a sustentava. No entanto os académicos, influenciados pelas teorias fisiocráticas importadas de França, criticavam estas manufacturas com o argumento de que retiravam braços à agricultura.
     De facto, os fisiocratas franceses acreditavam que só a agricultura era "produtiva", pois só ela gerava um excedente, um produto líquido acima do valor dos recursos utilizados na produção. A manufactura, pensavam, não era "produtiva". E escreviam isto apesar de ser evidente que a manufactura ocupava gente e criava rendimento. Até mesmo o famoso Domingos Vandelli, autor da "Memória sobre a preferência que em Portugal se deve dar à agricultura sobre as fábricas", afirma em defesa desta errada teoria:

«Não vale relatar-se o exemplo da maior povoação [povoamento], e aumento da agricultura nas vizinhanças de algumas fábricas, estabelecidas neste reino, como nas de vidro da Marinha; e na de Azeitão de chitas; porque se nestas vizinhanças em razão da maior quantidade do dinheiro, que ali circula, há maior povoação, e consumo de comestíveis, e por isso uma agricultura mais florescente: isso sucede com prejuízo dos lugares ou circunvizinhos ou distantes; nos quais se diminui à proporção a agricultura, e a povoação.»

Não se conhecem as razões pelas quais estas indústrias não prosperaram na nossa região - ao contrário do que aconteceu, por exemplo, com a vidraria na Marinha Grande, cuja industria moderna se iniciou, precisamente, com equipamentos e gestão (João Beare) transferidos da fábrica de Coina - mas certamente que as opiniões dos ilustres académicos não ajudaram nada.

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